quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Babysitting


Enquanto aguardo a chegada dos pais, termino a noitada de babysitting com as sobrinhas numa navegação online. As cachopas já adormeceram, depois de uma ou duas leituras, incluindo uma muito solicitada história de um certo patinho maricas. A petizada é assim, o que quer é ouvir aventuras, sofrer com os protagonistas e tranquilizar-se com as suas vitórias. O sono nesta idade é como um desmaio, repentino e profundíssimo. Depois ficamos entregues ao silêncio da nossa cabeça velha e mastigada de adultos preocupados.

domingo, 27 de janeiro de 2008

As irmãs Ortigão


Da minha nova janela, para além das silhuetas da parte sul da cidade, dá para pousar o olhar sobre um edifício curioso. Arquitectura moderna, anos cinquenta, um prédio assim dá vontade de conhecer. Aproveitei um dia ao passar, e ao ver o portão a abrir consegui espreitar para dentro e vislumbrar um jardim de camélias e vegetação frondosa, o que convenhamos, é visão que escasseia na Invicta. Hoje enchi-me de coragem e fui explorar o espaço. À entrada reparei no cartaz discreto que avisava: Casa Museu Marta Ortigão Sampaio. Uma breve troca de impressões foi o suficiente para uma visita guiada previlegiada, com direito a dissertações e conversa sobre a história privada do Porto, a burguesia e as suas contradições, e considerações laterais sobre a incompetência dos responsáveis políticos e o risco verdadeiro da degradação do património cultural sobre o qual uma inteira identidade urbana se desenhou. Agora, para além da visita, já tenho onde passear os livros sempre que o Sol pedir. Afinal, é só atravessar a rua e regressar ao jardim, gloriosamente abandonado pela cidade. Do interessantíssimo espólio do museu, os destaques pessoais vão para os óleos deslumbrantes de Carlos Reis e da mais famosa das seis irmãs Ortigão: Aurélia de Sousa (já agora, as visitas são gratuitas aos fins de semana).

Perry (pouco) live


Foi na sexta-feira, num novo equipamento de Espinho, com uma programação baratinha e interessante (é ver, meninos e meninas). O senhor Perry entrou no palco 45 minutos depois da hora marcada, o que acertou como uma luva no meu estrondoso atraso. O ambiente não era dos melhores. O atraso impacientou o público e um portátil projectava em slideshow umas imagens de gosto duvidoso na parede, para desviar a atenção, segundo o artista, das suas "skinny legs" (não deu para comprovar, o homem mal de levantou da cadeira). A voz está lá, de facto. Mas a melancolia que ressumava do único álbum decente, o primeiro, resvalava sempre para a pop delicodoce dos que se seguiram, e a pose de frete era mais do que evidente. Os músicos de estúdio estão tramados, agora que a nova realidade do mercado musical os obriga a longas digressões. Para compensar, e porque era o que me apetecia ver agora, um vídeo não do citado mas de uma pérola oitentista: Durutti Column.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Serralves on sundays


A arte é uma experiência dos sentidos? Um deleite visual? Uma confirmação do intelecto? Ou uma agitação no conforto das certezas? E se fosse tudo isto e simplesmente não o conseguissemos alcançar sem o apoio de uma voz conhecedora? Hoje aderi a uma visita guiada à exposição de Museu de Serralves, um retrato do trabalho do artista Robert Rauschenberg durante a década de 70. Com a amorosa guia, que reconheci do tempo em que pertencia à fauna que literalmente habitava nos cafés do Porto no início dos anos 90, tentamos despir preconceitos e ver com outros olhos objectos universais e banais como um pneu de automóvel ou uma caixa de cartão. Se não o conseguimos, é sempre um exercício interessante para um grupo de desconhecidos numa manhã chuvosa de domingo.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Beethoven

O trabalho come-nos. Rói-nos a corda que comanda o tempo e dissolve-nos a energia até que dela resta apenas um desejo de estar muito quieto, debaixo de um livro e de uma coberta. Faço nova nota mental: 'pensa em alternativas'. Um amigo começou hoje mesmo uma formação para se habilitar a dar massagens. Ocorrem-me poucas ideias mais interessantes, mas também para isso é preciso orçamento e o empreendedorismo sempre foi a minha competência mais débil. Felizmente vão sobrando distracções. Para recuperar da catástrofe da peça "Catástrofe" (bom, lá foi o meu contributo anual à produção teatral portuense...), enchi-me de pouca esperança e visitei Espinho para uma soirée de dança contemporânea: um quinteto masculino tem sempre essa capacidade de apelo. Os meninos eram bem parecidos, o que nos fez esquecer completamente o overacting gestual (sim, também sem palavras se pode falar demais). Foi um bom pretexto para relembrar esse magnífico segundo andamento da sétima de Beethoven, que serviu também de banda sonora para o reencontro à saída com a I., esse corpo, cara e voz de metro e meio que irrompeu como uma chama na minha primeira adolescência. Vinte anos é muito tempo, mas ao vê-la o tempo comprime-se sempre até caber num nó de estômago e dissolver-se no suor nervoso da incomunicabilidade. Gostava mesmo de a ver, consigo dizer-lhe, agora que até dança por cá.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Jet lag emocional

O que define a violência de um despertar? Ainda se há-de inventar algo que defina a intensidade desse terramoto. Tem que cruzar a reticência perante os compromissos laborais, o abismo de um leito vazio, um céu negro como a desesperança e o livro da vida eliminado de um qualquer laptop transcendental. Por mim, arrumo-os a todos dentro da roupa e o que sobra na mochila-abrigo. Tento lembrar-me dos passos na passarelle. Parece que há um novo ano inteiro, cheio de desafios, amores, armadilhas e esperanças pela frente. Vamos a isto, caro major?