sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

2010


"Provérbios flamengos", de Peter Brueghel

Mais um ano, mais uma década, mais uma corrida, mais uma viagem. Os balanços forçados nunca saem tão bem como aqueles momentos raros de epifania em que nos sentimos em equilíbrio, situados numa determinada convergência do espaço e do tempo. De qualquer das formas, assim de repente (e consultando o registo no blog) houve lugar para uma mão cheia de memórias para arquivo futuro:
- algumas viagens (Cuba, Nápoles, Stromboli, Bélgica), incluindo uma estadia com formação em Roma para agitar águas laborais;
- belos concertos (Sonic Youth e Broken Social Scene à cabeça, bem distantes);
- belos álbuns (não necessariamente editados mas muito ouvidos este ano: Broken Social Scene - "Forgiveness rock record", Sonic Youth - "The Eternal", David Byrne - "Here lies love", Florence and the Machine - "Lungs", Francisco Ribeiro - "Desiderata", Beach House - "Teen dream", Morrissey - "Year of the refusal", El Guincho - "Pop negro", The Do - "A mouthfull", Carminho - "Fado", Best Coast - "Crazy for you"
- filmes especiais: "Non,ma fille tu n'ira pas dancer", de Christophe Honoré, "Les herbes folles", de Alain Resnais, "Plan B", de Marco Berger
- livros para recordar: "My lives", de Edmund White, "a máquina de fazer espanhóis", de valter hugo mãe
- piscinas, corridas e a bicicleta na cidade
- a operação da mãe
- as visitas às escolas, para pregar a diversidade
- a gravidez de Miss B, Miss S. e Miss J.
- uma casa na baixa
- contemplar as pinturas de Brueghel, os subterrâneos napolitanos, um incêndio no vulcão, ouvir Pergolesi no Pantheon, um passeio nocturno na isola tiberina
- o amor, o amor, o amor...


Foto de E.I.

No penúltimo dia do ano, criei também um perfil no facebook. Fi-lo para satisfazer a curiosidade do sogro, mas também porque se criou uma inevitabilidade pessoal e profissional (vou ter que gerir os conteúdos no perfil da minha instituição, por isso convém saber onde é que me vou meter). Mas não acreditem muito no que lá virem. É que eu às vezes não sou muito eu.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Fisioterapia

Começaram as visitas diárias à clínica para tentar acelerar a recuperação dos movimentos na face esquerda. É uma hora ao final do dia de trabalho dedicada a esta pequena mas tão comprometedora parte do meu corpo. Na clínica concentram-se aparelhos estranhos, camas, muitas toalhas e objectos coloridos avulsos como bolas e esponjas. Circulam rapazes e raparigas vestidos em roupas de ginástica com o logótipo institucional, muito jovens e bem dispostos, que no mesmo cenário onde se deslocam lentamente alguns utentes, parecem circular à velocidade da luz (visto da minha maca é como se alguém tivesse baralhado os controlos da máquina do tempo). Habituo-me rapidamente ao protocolo diário: 15 minutos com uns adesivos ligados a uma espécie de eléctrodos, outros 15 com uma botija de água quente na face e a restante meia hora com exercícios e massagens com a terapeuta. Levo um livro para a primeira parte e na restante limito-me a olhar para uma rede que suporta umas bolas e através da qual se entrevê o tecto. A sensação é bastante semelhante à dos momentos de relaxamento no final das sessões de ioga e saio descontraído, a pensar que podia fazer isto o resto da vida...

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A arte de Marjane

Também desencantado numa loja da especialidade em Bruxelas, este pequeno mas delicioso livro da autora da celebrada BD Persépolis (depois adaptada ao cinema) é o reencontro com o seu registo autobiográfico, desta vez dando voz a uma polifonia feminina que reúne mulheres de várias gerações, com problemas e estratégias únicos mas também universais. Altamente recomendável como manual de sobrevivência num mundo dominado pela soberba masculina.

"Cours, jousqu'a perdre l'halaine..."

Como já começa a ser tradição, participei com a mana na corrida de São Silvestre. Desta vez sem chuva, foi apenas correr e correr com frio e muito boa disposição e vontade de queimar todas as guloseimas ingeridas nos últimos dias! Um resultado final pouco abonatório, mas havia desculpas q.b.: o frio, a geografia inóspita do percurso, os abusos alimentares da época, uma dor de costas, partir no final do pelotão, ir distraído com as renas e os pais Natal...

Xmas #2

Tempos de bonanza depois do stress pré-consoada, que acabou por correr lindamente, e according to the book: aletria, rabanadas e bilharacos de abóbora feitos de manhã; bolo-rei, frutos secos e bebidas; bacalhau com grelos e cabrito para o almoço; prendas, árvore de Natal e até um providencial presépio oferecido pelos sogros directamente da Guatemala. Parece corriqueiro, mas foram tudo estreias aqui para o je, e uma oportunidade para deixar alguns preconceitos à porta e abrir uma frincha para o Pai Natal entrar...

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A teoria das pessoas sós

Ler a saga do Monsieur Jean, de Dupuy e Berberian, é conhecer um verdadeiro tratado sobre o que é ser um homem numa grande urbe do século XX. Recomendável para leitores sem preconceitos e virados para um sentido de humor sui generis. Para além de que é a única forma de ficar a saber, entre outras coisas, porque é que as pessoas sós se apaixonam sempre pelas pessoas comprometidas e as pessoas comprometidas pelas pessoas sós.

A verdadeira princesa sereia

Só existiu uma verdadeira diva que mantinha tanto glamour dentro como fora de água - a irrepetível Esther Williams. Dá-la a conhecer à minha sobrinha, que tem tanta paixão pela água como por princesas, só podia dar certo.

Boas notícias é...

- Receber uma carta da câmara, a dar alguma esperança quanto à propriedade de uns certos metros quadrados (quem estiver por dentro saberá do que falo)
- Receber outra carta, do banco, a avisar que foi finalmente liquidado o empréstimo pessoal para pagar o automóvel
- Olhar para o espelho e franzir, ainda que muito levemente, o sobrolho do lado esquerdo...
Tudo no mesmo dia, parece mentira. Nesta consoada a Cassandra que arranje outro poiso.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Bilharacos

Ainda nas experiências de Natal, e para combater a neura domingueira, consegui esgalhar estes doces feitos a partir de abóbora (e com o nome mais divertido de todos). Na sequência, uma quiche improvisada, acompanhada com o resto do vinho do dia anterior, para esquecer que o dia seguinte era, como se diz nalgumas paróquias, de pica-boi.

O olhar de José Luís Peixoto

A primeira tentativa séria para conhecer o fru fru em torno deste autor fica-se pela confirmação da incapacidade (minha ou dele, está para se ver) em transformar um conjunto de figuras de estilo (ou tiques, para os mais desconfiados) num pedaço de literatura apetecível. Não é que não estejam lá - em "Nenhum Olhar", o romance de estreia - os ingredientes certos: há o retrato de um Alentejo desconhecido por muitos (olá, aldeia das Galveias, que saudades dos vossos queijinhos frescos de cabra!); há uma paleta colorida de cenários e personagens que rapidamente podemos chamar 'nossos'; há uma pan-religiosidade que emana de toda a(s) história(s). Mas o todo, para mim, não resulta, e até torci o nariz a algum português que para ali se pratica, disfarçado de 'marca autoral'. Pronto, admito que sirva para alguns (ok, muitos) leitores. Eu é que com os livros sou como a roupa: é difícil encontrar a minha medida.

sábado, 18 de dezembro de 2010

A paixão de Paulo e Leonor

Mesmo com momentos menos bons, as peças de Paulo Ribeiro incluem sempre momentos deslumbrantes. E esta tinha um trunfo forte, chamado Leonor Keil, inesquecível. Foi hoje no TNSJ.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A propósito do post anterior...

A primeira experiência com rabanadas não saiu nada mal (e com sabor a condizer hmmm...). Era preciso experimentar antes da chegada dos sogros para a consoada (quem é que não tem pavor do olhar reprovador de uma sogra experiente?)

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Xmas

O solestício de Inverno a aproximar-se e as famílias já em ponto de ebulição (ele há coisa mais difícil de negociar do que onde e com quem se vai passar a consoada?). De resto, encurralado entre a culpa do consumo desenfreado e o torniquete dos compromissos sociais, é cada vez mais complicado encontrar quem encare isto de forma saudável. O que nos vale são as rabanadas...

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Belgium snapshots #2

Que dizer de um país para onde se vai com poucas expectativas? Que o frio não atrapalha se as casas estão preparadas (quentes ao ponto do abafo); que a gastronomia fora do circuito turístico é boa e recomenda-se (até coisas estranhas como endívias envolvidas em presunto e, sobretudo, a arte das cervejas); que cidades cujas referências eram vagas ganham uma identidade própria e de visita muito recomendável (Bruges e Gant, mas sobretudo Bruxelas e a orgulhosa Antuérpia); que é possível encontrar um comércio criativo, surpreendente e cheio de espaços de compra e venda em segunda (ou enésima) mão (livros e velharias em grandioso destaque); que não é possível algum dia ficar farto da arte flamenga; que a banda desenhada pode ser vivida como uma arte maior e integrar o património cultural de toda uma sociedade. Tudo e muito mais, para ver e rever nesse peculiar pedaço de planeta tão bem cantado por um dos seus filhos.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Belgium snapshots

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Em Bruxelas, daqui a nada


Alguns dias para descontrair, tomar um banho de banda desenhada, comer chocolates, sobreviver ao frio e à intempérie, sentir a alma belga, ver museus e, essencialmente, sair do nosso canto no mundo. Até já.

Paralisia facial periféria

Há dois dias com a face esquerda anestesiada, tenho dificuldade em olhar-me ao espelho. Trata-se de uma espécie de paralisia que afecta o nervo facial, geralmente precedida de alguns sintomas (no meu caso, uma dor no ouvido, embora tenham detectado algumas coisas estranhas no meu espaçoso nariz e ordenado uma coisa que estou a tentar evitar há demasiado tempo: uma correcção do septo, essa protuberância que tanta personalidade me empresta). Seria apenas divertido, se não fosse também limitador. Tenho que me preparar para algumas semanas de adaptação a falar diferente e comer devagar (sempre com um guardanapo por perto). Mas, sobretudo, tenho que perceber (talvez pela primeira vez com esta acuidade) que quem somos passa muito pelo que fazemos com a nossa cara, e que se ela se torna inexpressiva, somos como que uma parede inerte, que não responde ao seu ambiente. Só o tempo e o espelho (com a ajuda de exercícios e sessões de fisioterapia) poderão dizer quanto tempo demorarei a recuperar a minha cara-metade.

Fado: destino, fatalidade, saudade

domingo, 5 de dezembro de 2010

Baby swimming

Manhã com duas amigas na piscina municipal, na aula de hidroginástica para bebés (por estas e outras continuo um fã do serviço público). As fotos ficaram embaciadas, não sei se pela humidade, se pelos olhos que se enterneceram perante tal cenário de sintonia familiar.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Il y a quelq'un?

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Por um fio

Há dois dias, fiquei pela primeira vez bem perto de ter um acidente de automóvel grave ou mesmo fatal. Uma curva fechada em plena auto-estrada (mal sinalizada ou distracção minha não cheguei a perceber), numa manhã gélida e com piso escorregadio, fizeram-me perder por um momento o controle do carro, que literalmente derrapou e ziguezagueou durante pelo menos dez segundos. Não vi os 35 anos da minha vida concentrados num segundo (teria sido interessante perceber que memórias teriam surgido nesse flash) e aparentemente o corpo só reagiu ao susto uns minutos depois quando, segundo a minha passageira, empalideci. Talvez tenha sido a minha mente a projectar cenários que se aproximaram rapidamente naquele instante, como imagens seleccionadas com um dedo num ecrã digital.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Nostalgia

A última visita ao Gerês já foi em Abril. Passaram 8 meses e só ao rever estas imagens percebo o quanto a cidade nos faz esquecer que o mundo também pode ser assim: verde, selvagem, ancestral. E como em certas alturas, quando em sintonia com esse universo e distantes, sofremos.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Non, rien de rien...

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

La scienza dei cachi

O fruto mais belo e doce do Outono é uma permanente surpresa: por fora é sempre apetecível, mas só aberto e provado o conteúdo é que sabemos se acertamos. Quando isso acontece, relembramos sensações antigas, como quando tudo era uma novidade e se saboreava com receio, sim, mas também com um irreprimível desejo.

domingo, 28 de novembro de 2010

Absolutamente viciante...

... e ideal para recordar uma grande semana numa grande cidade.

Diário romano#3

Praticamente sem fotos nem desenhos, mas com uma grande colecção de memórias ainda frescas na cabeça, o regresso à invicta fez-se já com aquela sensação (quase esquecida) de nostalgia antecipada pelo que se deixa para trás. Balanço final muito positivo para uma experiência que incluiu partilhas efectivas e aprendizagens que deixam no ar a vontade de investir noutros intercâmbios. Os contactos feitos podem ajudar e nestas coisas há que manter o sentido de iniciativa enquanto ele não se deixa vencer pela inércia do quotidiano.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Diário romano #2

Visita guiada pela cidade, com Elizabeta, uma simpática e eficiente guia, que para além deste biscate é uma arqueóloga e professora, pelo que fala com autoridade sobre a cidade. O pequeno tour incluiu uma visita ao Pantheon, onde num momento de magia começou um recital com peças de Pergolesi (uma música etérea num sítio já de si bastante irreal). Na Piazza Navona, provei um dos maravilhosos e únicos tartuffos da fomosa gelataria Tre Scalini e saboreei-o sozinho, sentado num banco em frente à fonte de Bernini com os quatro rios a representar os quatro continentes conhecidos à época da construção, com poucos transeuntes e um par de músicos de rua a criar outra atmosfera especial. Flanêur, entro numa ou noutra livraria, compro outro volume do Italo Calvino, junto-me ao grupo para um jantar regado a vinho e (de novo) rematado por um delicioso limoncelo.

Diário romano

Chegado ontem a Roma para uma formação, começo a olhar para a cidade transalpina com outros olhos. A chuva e o período do ano afastam as hordas de turistas que conheci nas visitas anteriores e é efectivamente possível pensar na cidade como um sítio onde se leva uma vida normal e quotidiana. O grupo de trabalho é pequeno, o que pode trazer algumas desvantagens (para uma experiência de intercâmbio) mas também algumas vantagens (mais tempo dedicado a cada projecto), se devidamente organizado. A ver vamos.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

(Des)Função pública

De vez em quando espreito os concursos públicos no Diário da República e concorro, sem convicção, mas quase por sentido de responsabilidade. Quando finalmente chega a hora de prestar provas, uma inércia indolente toma conta de mim (anti-corpos criados por muito convívio diário com maus exemplares de funcionalismo público?...). Há dias, depois de demorada ponderação, acabei por comparecer numa prova escrita de conhecimentos. O regulamento indicava um conjunto de leis (que obviamente não li) sobre a função pública como base do exame mas tinha a vaga esperança que aparecessem questões abertas sobre, sei lá, coisas pertinentes para o desempenho da função tipo qual o papel das autarquias no desenvolvimento local e que tipo de prioridades podemos definir para as políticas sociais. Mas não, era mesmo só e exclusivamente sobre contratos, regulamentos, direitos e deveres na função pública. Li o formulário e devolvi-o, dando conhecimento da minha desistência, para grande perplexidade das vigilantes, que ficaram um pouco sem saber o que fazer. Talvez não estivesse escrito nos procedimentos...

Foi há uma semana...

... mas o concerto (e aquele abraço ao guitarrista) ainda não me saiu da cabeça. Grande música, grande banda, grande momento.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

"Lola", de Brillante Mendoza


Eis um filme que dá que pensar, não só pelo que ele é intrinsecamente mas pelo que nos diz do estado actual do cinema. Em primeiro lugar, o privilégio que é, nos dias que correm, dominados pela lógica esmagadora 'pipoca+acção+coca-cola+arroto' do circuito comercial, ver um filme de origem filipina. Essa condição de privilégio e raridade explica, quanto a mim, o segundo ponto: o do exacerbado estatuto adquirido pelo realizador (pelo menos a avaliar por este filme, o único que vi) e todo o hype bem-pensante que o rodeia. Finalmente, há o filme em si, um simpático mas limitado (não apenas, obviamente, no sentido dos recursos) objecto cinematográfico, que tem como mais valias duas bravas protagonistas geriátricas (as 'lolas', do título) com quem sofremos do princípio ao fim, para além da curiosidade antropológica do retrato documental de uma Manila miserável, caótica e aquática. Como fragilidades, para mim, um argumento hesitante (aquela da avó aceitar o dinheiro em troca da absolvição do assassino do neto tem que se lhe diga...) e esta pretensão um bocado irritante de fazer passar um filme pela realidade tal como ela é (que tem, como supra-sumos os irmãos Dardenne, criadores de verdadeiras pérolas do cinema de terror). A ver, apesar de tudo (mas sobretudo porque são os tempos que são).

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Dona F.

Já teve uns olhos de ficar imediatamente hipnotizado, para o que ajudavam as curvas de um corpo bem aconchegado por roupas modernas, que encaminhavam o olhar de baixo para cima, até ficarmos numa espécie de torpor. Acabava de chegar da Venezuela, onde tinha vivido a maior parte da vida e ganhava a vida a embelezar venezuelanas no seu próprio salão. Isto foi há 4 anos. Depois desapareceu das sessões de RVC. Ligou-me agora, discurso atabalhoado e lá combinamos uma entrevista. Apareceu com a mãe, mas não a reconheci logo. Só após um breve instante os olhos a traíram, não como antigamente, mas como reconhecemos um brinquedo preterido e enferrujado. Falou-me das tragédias que engordaram o seu corpo, até ser o triplo do que tinha sido: o divórcio litigioso, a perda dos filhos, a depressão, a espiral de medicação, quatro anos a inchar de infelicidade. E apesar de tudo, a coragem para regressar das trevas trouxe-a a mim de novo. Sem outros motivos aparentes para além da simples e muito humana tenacidade que nos vai segurando ao dia-a-dia. Vê-la já é uma lição de vida, a biografia gravada no corpo, no cabelo e no olhar da candidata dona F.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

You say potato, I say potahto...

Num dia vês comigo a "Madame de..", do Max Ophulls e no dia seguinte vou contigo a um shopping ver as "Piranhas 3D" - penso na pose da Danielle Darrieux a morrer de amor como se morria nos romances do século XIX enquanto me desvio dos peixes assassinos que atravessam o ecrã; vens comigo a uma livraria e eu acompanho-te a ver as novidades nas lojas da moda - os leitores vestem-se mal, quase por definição, penso enquanto me assusto com a semelhança entre pessoas e manequins; vejo contigo o último clip da Lady Gaga, em troca vamos aos Broken Social Scene - no dia seguinte, debatemos quem faz mais barulho e nenhum de nós reconhece que o ruído é um conceito interior. Depois encolhemos os ombros, rimos e damos o enésimo beijo do dia.

Sneakers, serotonina

Os 14km de ontem, na prova paralela à da maratona que decorreu ontem na invicta, souberam a pouco (ainda que com uma inesperada redução de tempo de quatro minutos em relação ao ano anterior). Ver o povo do dorsal laranja (que distinguia os corredores da maratona dos corredores da prova familiar, com dorsal azul), de porte altivo (ou pelo menos assim pareceu ao meu ego) deixou-me com ganas de continuar a correr e no final, aquele que já era um projecto de projecto tornou-se uma (quase) resolução: daqui a um ano, correr a minha primeira maratona. A empreitada, de grande envergadura, exige uma preparação cuidadosa e atempada. Detalhes, angústias, conquistas e reveses seguir-se-ão, sob a etiqueta 'projecto maratona'.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

(...)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Fantasia para tempos de austeridade (para Mr.P)

Só neste planeta alguém se lembraria de fazer um filme destes, outro alguém de fazer uma música como esta e um outro de juntar as duas coisas e publicar no youtube.


Filme: "Les demoiselles de Rochefort", de Jacques Demy
Música: "When I'm with you", dos Best Coast (rendez vous daqui a um mês)

domingo, 31 de outubro de 2010

"Tudo tem importância!", de Ron Currie Jr

Quando era petiz, imaginei que os adultos eram uma espécie diferente da minha; feitos de comandos e regras, a remar contra tudo o que me parecia ser a ideia de felicidade, lembro-me de me assustar com a hipótese de estar rodeado de seres robotizados, cujas entranhas revelariam não veias, carne e órgãos mas fios, circuitos e substâncias cibernéticas. E se continuasse a acreditar nessa ideia e ela se revelasse verdade quando estivesse a um passo de me tornar eu próprio um adulto? Talvez pudesse escrever um romance acerca disso! Como nesta outra sugestão do valter, o último livro a ser discutido na comunidade de leitores. Uma leitura aditiva desde as primeiras páginas, que nos introduzem numa história digna de ficção científica, mas que percebemos ser um pretexto para tratar as grandes questões que sempre assombraram a literatura: o amor, a condição humana, o livre arbítrio e (sim, também esse, como sempre) o(s) sentido(s) da vida. Um auspicioso início de carreira para qualquer escritor e um belo punhado de horas bem passadas para qualquer leitor.

Instantâneos

Fotos de Mimi (8 anos)

Babysiting felino

Fim de semana com o Ramiro Gaivota.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Educadores pela inclusão

Já aconteceu o primeiro momento de formação de educadores sobre orientação sexual e identidade de género. Foi no Porto, e como primeira experiência correu lindamente: trocaram-se ideias, partilharam-se conteúdos, foi fornecido material pedagógico e experimentaram-se algumas dinâmicas que podem ser aplicadas em contextos educativos. Há muito que isto era preciso, e é uma boa oportunidade para professores, psicólogos, animadores e outros profissionais que trabalham com jovens.
Relembrando, o Projecto Inclusão da rede ex aequo prevê mais encontros e as formações são livres.
Informações e inscrições: inclusao@rea.pt

Smile or Die


Uma interessante reflexão animada sobre uma realidade que se aproxima cada vez mais da nossa... Não se riam! Fiquem fulos!

domingo, 24 de outubro de 2010

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Oficina 'Um livro sem letras': projecto (adiado) #2

Habituados como estamos ao verbo, depois da tão árdua tarefa que é dominar minimamente o mistério da linguagem escrita, criar uma história sem letras revelou-se uma empreitada mais complicada do que parecia à partida. Apetecia, mas quem se atreve nestes tempos de austeridade económica, cultural e mental a pedir um ano de licença sem vencimento para se dedicar à arte do desenho?

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Outubro Trans

Outubro Trans 2010 (português) from Stop Trans Pathologization on Vimeo.

His name is Bond. Justin Bond

Integrado no TRAMA (Festival de Artes Performativas), o concerto/performance de Justin Bond, em boa hora regressado ao Porto, permitiu assistir a duas horas (mais uma do que o previsto inicialmente), de pura e espontânea performance vocal, teatral e política, abarcando temas como o amor, a falta dele, o suicídio dos adolescentes gays, o casamento e a economia ao estilo de um verdadeiro contador de histórias.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

"A ofensa", de Ricardo Menéndez Salmón


Uma peça literária feita de uma poesia milemétrica, onde tudo resulta e nada está a mais, ao contrário de muita literatura volumosa que enche as nossas montras. Uma pequena mas desconcertante narrativa sobre um personagem engolido pela vertigem da História, que é um tratado sobre os estados da alma em situações limite. Nota máxima para mais um livro da comunidade.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Broken Social Scene

A banda com mais tusa do momento vem do Canadá. Vemo-nos por lá, dia 8, na Sala 2.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Vocação de ave rara

Por ouvir Satie no trabalho; por andar de bicicleta nuns dias e de Vespa amolgada noutros; por correr e gostar de correr; por ser canhoto; por não ver televisão; por ver filmes europeus; por comentar os rabos errados; por estar sempre a leste; por não conhecer os sítios in; por gostar dos sítios out; por querer estar sempre a leste; pelo Natal que me dá a volta à tripa; por ler; por nunca me rir do que devia e as anedotas me deprimirem; por ficar feliz com o que só lembra ao diabo; por saber o que ninguém mais sabe e por nunca saber o que todos sabem...

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Au bout de souffle

Num dia solarengo, mais uma corrida bem disposta nas margens do Douro. À terceira meia-maratona reforço a confiança e, apesar da constipação mal curada e da redução no treino por causa da chuva, consigo encurtar o meu tempo em dois minutos. Genial, como diriam nuestros hermanos. Para a organização, notas negativas: falhas nos abastecimentos: insuficientes, mal colocados e guarnecidos apenas com água; e um atraso de meia hora no início da prova. 21km e 97m feitos em 1h45'50'' (sem o desconto da partida), passaram agora a ser a próxima meta a derrubar. E isto (para responder a quem me pergunta o que é que eu vejo nisto das corridas), no rame-rame de quem acorda com o despertador para compromissos gastos todos os dias, é como a luz do farol para um navio perdido em noite de borrasca.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Non ma fille tu n'ira pas danser

Há actores e actrizes que admiramos porque são profissionais, matéria moldável e generosa para o que os escritores e realizadores queiram fazer deles. Por isso, valem em cada filme o que vale o trabalho destes e o que a história e as personagens nos dão. Depois há os que possuem a tal da persona, e que pelo seu carisma nos enfeitiçam, levando-nos a lugares desconhecidos recheados de emoções. Chiara Mastroianni, que tem na sua composição genética os ingredientes ideais, pode agora, no meu coração, colocar-se nesse clube tão restrito e especial. Fá-lo num filme mal amado por críticos e público (éramos somente quatro de nós ontem, naquela pequena mas cada vez mais preciosa sala do Teatro do Campo Alegre), mas isso quanto a mim ainda faz refulgir mais o brilho deste novo filme de Christophe Honoré, que aprendi agora a amar. A actriz em versão musa musical

Leituras em dia


Lidas outras duas obras da comunidade de leitores: "Quando tudo se desmorona", de Achebe Chinua - uma grande referência da literatura africana que ficou muito aquém das expectativas, mesmo descontando a 'margem de erro' de leitura potencialmente associada a diferentes referentes culturais (não consigo ver as personagens femininas tratadas daquela forma, sem que a história lhes devolva alguma dignidade); e o badalado "O Tigre Branco", de Aravind Adiga, um retrato um pouco mais entusiasmante e desmistificante da verdadeira história por trás do 'milagre' democrático e económico indiano. A ver o que nos reserva o resto da lista...

Vargas Llosa

Só por ter escrito "A tia Julia e o escrevedor" fazia sentido. Não precisava, mas mereceu receber o dito.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

'Um livro sem letras': projecto (adiado)

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Formação para a inclusão

A divulgar!

A rede ex aequo - associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes, através do seu Projecto Inclusão, realizará um conjunto de formações (gratuitas!) sobre orientação sexual e identidade de género aberta a todos os profissionais educativos que estejam interessados. Estão previstas 6 formações, que decorrerão ao longo de um dia, em 6 distritos diferentes do país, entre Outubro e Dezembro de 2010.

Datas das formações confirmadas:

- Santarém, 9 de Outubro, IPJ de Santarém
- Guarda, 22 de Outubro, IPJ da Guarda
- Porto, 23 de Outubro, IPJ de Porto
- Faro, 6 de Novembro, IPJ de Faro
- Funchal, 27 de Novembro, em Escola Secundária a determinar
- Setúbal, 11 de Dezembro, IPJ de Setúbal

O prazo de inscrição em cada formação termina uma semana antes da realização da mesma, ou até atingir o número máximo de presenças. As inscrições devem ser enviadas para: inclusao@rea.pt.

Para quem não estiver a par

Nova lei de identidade de género

Foram aprovadas, no dia 1 de Outubro de 2010 em Assembleia de República, as duas propostas de alteração da lei que regula o procedimento de mudança de sexo e nome próprio no registo civil que, até agora, apenas era possível através de uma acção judicial em tribunal que se arrastava durante anos.

Com 111 votos a favor, 2 abstenções e 90 votos contra a proposta do Governo, e 108 votos a favor, 76 abstenções e 19 votos contra a proposta do Bloco de Esquerda, ambas as propostas seguirão agora para a comissão da especialidade para se tornarem numa proposta única.

Podes ler em detalhe a Proposta de Lei 37/XI, da autoria do Governo, intitulada "Cria o procedimento de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil e procede à 18.ª alteração ao Código do Registo Civil", assim como a sua Actividade Parlamentar e Processo Legislativo.

E ler em detalhe o Projecto de Lei 319/XI, da autoria do Bloco de Esquerda, intitulado "Altera o Código do Registo Civil, permitindo a pessoas transexuais a mudança do registo do sexo no assento de nascimento", assim como a sua Actividade Parlamentar e Processo Legislativo.

Em breve, mediante a apresentação numa conservatória do registo civil de um relatório elaborado por uma equipa clínica multidisciplinar de sexologia clínica que comprove o respectivo diagnóstico, será efectuada a mudança de sexo e nome próprio no prazo de 8 dias.

Via Fórum rede ex aequo

domingo, 3 de outubro de 2010

Weekend with the girls


Alguns resultados do workshop intensivo que decorreu durante um fim de semana inteirinho cá em casa entre tios e sobrinhas! Love you, girls!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Lei de Identidade de Género já!

O destino da vida de muitos cidadãos portugueses é decidido nos próximos dias. Trata-se de legislar em prol do livre arbítrio a que todos devemos ter direito relativamente à nossa condição enquanto pessoas e de assim remover um quisto 'medieval' da nossa democracia. Depois virá outro combate: contra o preconceito e a favor da dignidade e da realização plena dos cidadãos transexuais. Pensar nisto como uma questão menor é errado. Nunca como agora foi tão urgente lutar pelos nossos direitos civis.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Plano de cinema alternativo

O retrato delicado do enamoramento de dois rapazes, filmado num ritmo lento, supreendentemente ajustado à forma como estas coisas realmente acontecem: com recuos, hesitações, passos impulsivos e novos recuos. Com poucos personagens e quase inteiramente suportado por actores espontâneos e generosos na sua entrega, com uma narrativa económica e diálogos parcos, não tardou que a plateia (essa entidade hoje tão treinada para ver o cinema como um bom pretexto para deglutir pipocas e que se aborrece se estas acabam primeiro que a projecção) começasse a manifestar o seu desconforto e ansiedade. Mas quem já conheceu uma destas amizades e sentiu na pele este desconcerto que é o da descoberta de que não somos bem quem pensamos ser, verá bem empregue o tempo a ver este filme maravilhoso que encerrou o festival de cinema Queer Lisboa.

domingo, 26 de setembro de 2010

Weekend Lx

Fim de semana na capital, para reencontrar amigos, assistir à sessão de encerramento do Queer Lisboa e participar na meia maratona, com partida na Vasco da Gama. Tudo em cheio, com estafa suficiente para dar vontade de regressar a casa e... aterrar.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Em modo corrida...

Na recta final estão os preparativos para a próxima grande corrida, mais uma meia maratona. O novo percurso, entre Massarelos e Matosinhos, sempre pela beira-rio e depois junto ao mar, revela-se cada vez mais familiar com a sua panorâmica cinematográfica (uma selecção auspiciosa no mp3 ajuda...). Acabo por me esquecer novamente de que se deve seguir um plano de treinos adequado e apercebo-me tarde de mais que cometi alguns erros estratégicos nas últimas semanas. Para corrigir, pelo menos na alimentação vou tentar seguir os conselhos dos especialistas: muitos carboidratos e líquidos (não alcoólicos, hélas) nos últimos três dias antes da prova. A ver se ainda me lembro como fazer massas e pizzas. Entretanto, novos sneakers procuram-se...

"Somos o Esquecimento que Seremos", de Héctor Abad Faciolince

A propósito deste livro, um registo autobiográfico que inaugurou o novo ciclo de leituras da comunidade de leitores aqui ao lado na BMAG, pensei muito no papel que a família desempenha, para o bem e para o mal, enquanto suporte emocional e formativo. É algo inescapável e aprendemos a aceitá-lo com maior ou menor resignação ou resiliência. Mas também me fez pensar no papel da memória e do registo dessa memória enquanto resgate da história, não só a ciência canónica e de dimensão macro, mas também a do indivíduo e do seu património pessoal, que reflecte como uma grande bola de espelhos a história dos grandes colectivos e da sua mudança. E depois há a imagem inusitada de uma relação entre pai e filho e o retrato desse homem que quis dar o seu contributo para um mundo mais saudável e uma Colômbia mais livre, que me dá vontade de oferecer este livro a todos os pais, filhos e idealistas (ainda que da corrente céptica, como eu).

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll

Há livros que se lêem como se alguma voz cá dentro nos ditasse ainda um sumário para uma lição que ficou perdida, na escola universal do intelecto. E este é um deles, um dos que Calvino nomearia como um clássico, um canône literário anglo-saxónico, que reconheço ter lido sem prazer e até alguma perplexidade, por não vislumbrar nele a matéria de que são feitas as narrativas que nos agarram às palavras e aos objectos-livros. Diria que, num combate onírico-literário-juvenil, a Alice perderia em qualquer altura com um, digamos João Sem Medo, desse texto tão mais deslumbrante e desconhecido que o José Gomes Ferreira nos deixou (engraçado, é mesmo daqui que vem a frase familiar: "É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir". Ele há coisas...).

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Muxima - "Amanhã"


Foi no sábado, na Casa da Música, que reencontrei as canções dos Duo Ouro Negro. Valem a pena ser ouvidas e re-interpretadas (com um gingar de anca e um quase aperto de nostalgia no estômago). Obrigado, Muxima(s).

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Troubling Education, de Kevin Kumashiro

"Think outside the box", repetem os detectives para si mesmos quando pretendem desvendar um misterioso crime. Como quem diz: pensa noutra língua, fecha os olhos para ver melhor. É essa a premissa deste ensaio que reflecte de forma desafiante sobre o papel da educação na construção de modelos sociais inclusivos, preservando a especificade das diferenças. É certo que remete para realidades que nos podem parecer um pouco alienígenas a um primeiro olhar (as dos turbulentos contextos culturais norte-americanos), mas tudo o que ali se fala e testemunha faz sentido em qualquer lugar do mundo e representa, na essência, a defesa de um olhar crítico, de vigilância permanente, em que o activismo encontra na educação uma alavanca essencial e imprescindível para a mudança social e política, que por sua vez se reflecte num novo activismo e numa nova educação, numa lógica dialógica permanente. Mais sobre o autor aqui.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Lições de vida

Se procuras um lugar sossegado num café (para ler ou simplesmente contemplar o ar) afasta-te das pessoas sós. É certo e sabido que mais cedo do que tarde vão pegar num telemóvel e desatar a tagarelar incessantemente. Se realmente queres paz, procura casais. Esses terão aprendido com a relação, ainda que inadvertidamente, a saber respeitar o valor do silêncio.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Dias em Caminha


Não ter de viver por objectivos durante uns dias, entregue à luz do Minho e Galiza.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Histórias da cidade do Porto

Como com frequência me apercebo, por contacto profissional, é nos relatos autobiográficos que podemos tomar contacto de forma mais completa com a diversidade de experiências sociais, culturais, políticas, económicas, enfim, humanas, que compõem a história de uma cidade. É nesses momentos, também, que dou conta com espanto da vastidão do património de conhecimento que desaparece cada vez que cada pessoa morre. Por isso me parece tão fundamental escrever, registar, traduzir memórias pessoais. Porque só esse ponto de vista tão individual, inserido numa polifonia de vozes biográficas, poderá ser capaz de conceder verdade aos factos e transportar para o presente o nosso passado colectivo. Sobretudo quando ele se intersecta de forma tão directa com a nossa própria história.

sábado, 28 de agosto de 2010

Oficina #5

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Bora?

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Botas a caminho...




... na Serra da Boa Viagem (fotos daqui). É preciso madrugar, mas isso nunca custa se o dia nos reserva um passeio. Depois há o prazer de explorar sítios que nunca se conheceriam doutra forma, moldados que estamos pelo mundo acessível por estradas. A caminhada terminou na praia, com a areia e a água fria a servir de massagem aos pés fatigados. Para arquivar no departamento das boas recordações.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

French fries

Num engarrafamento de Agosto, da neura domingueira nasceu em conversa com amigos esta ideia: não devíamos ter direito a ser ressarcidos por este desperdício de tempo? Algo como uma compensação depois do tempo regulamentar num jogo de futebol, todas as horas perdidas em filas de trânsito, somadas e devolvidas à nossa vida. "Ora portanto, o senhor Francisco devia ter falecido agora, mas como temos aqui um crédito de 2 anos e meio, vai ficar pela terra mais uns tempitos". Ideia pertinente mas perniciosa: a quem compete definir o que é o tempo desperdiçado quando a nossa própria vontade é tão volátil? Nunca vos aconteceu dourar o passado (mesmo as coisas que na altura não causaram qualquer frisson) ou maldizer uma experiência inofensiva cujo lado negro acabou por emergir anos depois? Não é um bocado aquela conversa do: "e se eu tivesse feito isto", "e se eu não me metesse naquilo", numa auto-ilusão de que qualquer caminho alternativo seria sempre mais bem sucedido, mais aproveitado, rumo à felicidade e à realização pessoal? A verdade é que esses caminhos são, como li algures, ramos secos que não voltam a medrar. E, como numa canção recente dos Arcade Fire, se pudéssemos reaver o tempo morto, íamos matá-lo de novo. Mas já repararam que as batatas fritas são sempre mais apetecíveis no prato do lado?

Antes de agora



Sem cabeça para mais nada do que mergulhar na urbano-depressão, com posinhos de nostalgia (para ouvir enquanto as nuvens não dispersam e não se vislumbra como aguentar outro dia de trabalho).

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Aonde a escrita nos levar

Há livros que se nota serem fruto de um simples e inegável prazer pela escrita. Imaginamos os autores a escapulir dos seus afazeres profissionais e domésticos para escrevinhar quase às escondidas algumas linhas, como quem pratica uma necessidade ou cede a um impulso. E chegam às mãos do leitor assim, sem grande apuro formal, investimento criativo, labor ou outras complexidades literárias. É só por perceber isso que não se desiste da leitura de um trabalho sem narrativa, história e de personagens que lutam pela sua própria existência enquanto tal. É nos interstícios da quase-história-que-nunca-chega-a-acontecer que surge o mais interessante que este livro oferece: pequenas reflexões sobre a condição da escrita, do escritor, da demiurgia e das pequeninas intersecções entre a vida e a arte.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Karaoke wisdom by Dolly Parton

Alma tuga

Andamos todos à procura de um lugar no céu. É isso que nos move neste portugalito moderno e antigo: a culpa, essa espécie de consciência adquirida à má fé. A verdade seja dita: só funcionamos à ameaça, seja ela de um pontapé, cachaço, lambada ou desgraça da alma. E não importa muito se somos crentes ou ateus, a matriz moral está lá, como uma tatuagem ou um tecido nervoso que nos baliza o quotidiano. E assim vamos, transitando de um objecto de culpa para outro: da infidelidade para a responsabilidade ecológica; da soberba para a participação cívica. Inventamos novos pecados: o trabalho infantil; o sexo desprotegido; a toxicodependência; o desperdício. E fugimos deles, não graças a uma clarividência ética ou pelo anseio de nos envolvermos num projecto de comunidade global, mas do muito humano e muito prosaico medo judaico-cristão de cair no inferno, tenha ele o formato que cada um lhe queira dar. Eu por mim, ainda assim, temo aqueles que nada temem, por me parecer que se eles tomarem conta disto, nada nos vai separar do abismo. E aquilo que era uma hipótese de país, deixa de o ser.

sábado, 7 de agosto de 2010

Oficina #4


Caracol, deus do Agosto.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

"Brooklyn", de Colm Tóibín

Madrugar tem destas vantagens: levantar, tomar o pequeno-almoço com toda a tranquilidade, preparar um café para degustação lenta, abrir um livro e ficar absorto até à hora do banho matinal. Sobretudo quando as palavras são manuseadas com a mestria deste autor irlandês, acreditamos que não há melhor maneira de começar o dia. Eilis é uma rapariga irlandesa cujo destino quis que emigrasse para outro continente, instalando-se de malas e projectos na cidade de Brooklyn. Como todos os desenraizados, ao fim de algum tempo a sua cabeça e o coração dilaceram-se entre dois mundos, o velho e novo. Quem já viveu fora de casa conhece o sabor dessa separação, que cria como que um duplicado de nós próprios, que a tempos emerge nem sempre no sítio certo. E Toibín confere uma tessitura fabulosa a este personagem (muito Jamesiano, como se tem comentado), transportando-nos para as suas emoções de uma forma tão simples que desarma. E conquista. (Já existe uma tradução portuguesa, editada pela Bertrand)

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Ciao Vespa


É muito giro, é muito bonito... e é perfeitamente inútil. Desde que a comprei que a bela lambreta só me dá dores de cabeça: senão falha o motor é a embraiagem, senão é a manete das mudanças é o travão, senão é o depósito a verter gasolina é o raio que o parta. Cansei de ser deixado na estrada, de empurrar, de dar ao pedal, de gastar dinheiro, de ver a mota derrubada por automobilistas f.d.p., de tentar compreender o vocabulário obscuro da seita das oficinas e de aturar o tom zombeteiro dos mecânicos e de todo o mundo que faz questão em mandar bitaites sobre o assunto. A partir deste momento a dita está oficialmente à venda, pelo que interessados em encrencas procuram-se. Um dia, quando a neura passar e reconheça que uma cidade com a geografia do Porto (como a de Nápoles, em pavimentos e declives) casa na perfeição com um veículo motorizado de duas rodas, talvez considere cair de novo na esparrela. Até lá, arrivederci Vespa.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Oficina #3

sábado, 31 de julho de 2010

Oficina #2

Artemisa, deusa da caça.