segunda-feira, 28 de abril de 2008

The thin yellow line

De férias na cidade. Sem programa, geralmente é difícil encontrar motivos para combater a inércia. Mas o Sol encarrega-se de nos empurrar para fora de casa e um almoço com uma amiga do peito serve de ante-câmara para, um dia quando menos esperas, receber um convite para visitar umas escavações arqueológicas na tua cidade de berço. E aí descobres que o passado é um inquilino permanente do presente, está ali mesmo ao lado, onde nunca reparaste. Ruínas e cacos? Talvez, mas em forma de puzzle, desafio em forma de turbilhão de hipóteses: aqui era um forno, ali talvez um pátio, acolá um segundo patamar, mas estes conjuntos aqui ainda estão por decifrar. Escava-se, peneira-se, e a linha amarela que delimita as fracções exploradas desenha a janela através da qual olhamos para os antepassados. E se de lá também eles se metessem a prever o futuro, seríamos nós a espreitar pela sua imaginação?

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Menina-Bicho


Versão t'shirt em breve neste blog.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Les plus beaux du cinéma


A selecção é pessoal e transmissível. Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Alain Delon, Helmut Berger, Jean Marais, Gary Cooper, Burt Lencaster, Joe D'Allessandro, Marcelo Mastroianni, Paul Newman e Marlon Brando.
Há dias que nos dão para isto.

domingo, 20 de abril de 2008

O outro Cândido

Do Cândido, de Voltaire, o escritor siciliano Leonardo Sciascia tomou como inspiração vários aspectos: a estrutura em pequenos capítulos, com uma frase introdutória que condensa e apresenta o que se segue (algo parecido com o popular "cenas dos próximos capítulos" das novelas brasileiras); o facto de se tratar de uma narrativa que segue o percurso iniciático de um jovem, Cândido de seu nome, na companhia do seu tutor, aqui o desventurado Padre António; e, sobretudo, a dimensão universal e metafórica dos eventos (no Cândido de Voltaire, o debate entre várias posturas éticas, do optimismo ao pessimismo, no de Sciascia, as contradições de um páis no pós-guerra). A ler como bom pretexto para tentar compreender melhor a história italiana do século XX (face à reeleição de Berlusconi, é um pretexto mais do que válido e urgente).

sábado, 19 de abril de 2008

Depuis le jour


Aria "Depuis le jour" da ópera "Louise", de Gustave Charpentier
Soprano: Leontyne Price
Realizador: Derek Jarman

quinta-feira, 17 de abril de 2008

A noite do fim


Sarah Kane
Habitar uma casa que sabemos ter sido ocupada por vários inquilinos é um bocado viver entre as pistas que eles foram deixando, como se um pouco da nossa alma ficasse colada aos lugares onde vivemos. Uma das manifestações mais evidentes dessa fantasmagoria é a correspondência. Aproveito a generosidade involuntária de um convite remetido para um dos destinatários desconhecidos e invisto-me dessa autoridade para ir a um serão de teatro. "4:48 Psicose": a peça é de Sarah Kane, de quem só sabia ser jovem dramaturga e de morte precoce, auto-provocada. Sabia também que o texto seria o seu último, antes do suicídio, e preparei-me para barra pesada. É verdade que é um texto negro como a noite mais profunda, mas a encenação de Luís Mestre e sobretudo a interpretação de Maria do Céu Ribeiro aguentam tudo e tornam vibrante a inevitável ressonância de ser um texto de despedida, com todo o desespero mas sem compaixão. E reconcilio-me com a arte do teatro, numa noite chuvosa na Invicta. Sabiam que As boas raparigas vão para o céu e as más para todo o lado?

domingo, 13 de abril de 2008

"Caramel"


Uma história de mulheres numa Beirute que não aparece nos noticiários merece toda a atenção de um espírito curioso. O filme é escrito, realizado e interpretado pela deslumbrante Nadine Labaki, que assim presta homenagem às suas actrizes (não profissionais) e ao quotidiano da sua cidade, outrora apelidada de Paris do Oriente. Num filme que não fala da guerra e num país onde a indústria cinematográfica é praticamente inexistente, este pode ser um poderoso gesto político.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Introducing...


Gatonso...

... e Senhor Gato.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Os novos romanos


Foto do Sherpa
Foi um Domingo em cheio, para quem aprecia de verdade mergulhar na Natureza. A primeira parte da Geira Romana, no Gerês, foi cumprida sem percalços. O caminheiro mais novo tinha um ano de idade e o mais velho setenta. A seguinte parte ainda não tem data marcada, mas duvido que alguém falte ao encontro. A cortesia é dos imparáveis (e impagáveis) Um par de botas.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Coeurs, de Alain Resnais


O mítico (para algumas famílias) realizador de "Hiroxima, meu amor" ou "O meu tio da América" (personal favourites) mantém e reforça a mestria da sua mise en scène, a depuração da narrativa e um sentido poético e perturbador da expressão da malaise (essa expressão que só faz sentido em francês - na nossa língua faz logo pensar em Alka Seltzer...) do mundo ocidental contemporâneo com esta imperdível adaptação da peça "Private fears in public places". Voltamos ao seu cinema como a um sítio que provoca algum temor e fascínio (porque há aqui também buracos negros, apesar do tom aparente de comédia), e onde reconhecemos rostos (Sabine Azéma mais uma vez extraordinária, num elenco hipnotizante) e figuras de estilo bizarras (o que significa aquela neve a cair literalmente dentro de cada cena?). A experimentar num cinema perto de si.

sábado, 5 de abril de 2008

Fantasmas de acrílico #5


Acrílico em tela 40x50cm

sexta-feira, 4 de abril de 2008

O capote de Gogol


Lê-se num instantinho de prazer, o famoso conto a propósito do qual Dostoievski afirmou: “Todos nós nascemos do Capote, de Gogol”. Trama simples e escrita fluída, sem parágrafos, para um mergulho na leitura, que nos faz acreditar nos fantasmas e divisões da Petersburgo do século XIX: que melhor imagem da estratificação que a sequência nocturna em que o protagonista, de regresso de uma festa, atravessa a cidade ofuscado pela luminusidade das ruas centrais para a escuridão progressiva da periferia?

quinta-feira, 3 de abril de 2008

The Mist


Afinal ainda há bons filmes de terror. The Mist, a enésima adaptação de um texto de Stephen King, é uma boa prova das aprendizagens essenciais dos melhores trabalhos de John Carpenter. O postulado principal indica aqui que 'menos é mais': menos explicações, menos música, menos recursos, menos efeitos especiais equivale a mais mistério, mais ansiedade, maior economia e eficácia narrativa. A evocação do paradigma do deus cristão vingador faz o resto, aqui bem representado pelo seu avatar, a figura dantesca que surge na sequência final, que os poucos personagens que nos restam contemplam aparentemente com maior admiração e fascínio do que temor. Em frente àquele vidro da loja onde toda a trama se concentra, os monstros lá fora parecem meras distorções do reflexo dos humanos, e raramente vemos mais do que as suas silhuetas. É nesse espaço que a parábola do juízo final ganha forma, ao ponto de se repetirem tentativas de fuga. O mal não tem nemesis e nem num final de Hollywood se encontra redenção.

Edmund, o grande


Reconheço a poucos autores o domínio da palavra escrita que Edmund White conseguiu alcançar. De novo um romance com acção a decorrer no final do século XIX (parece ser uma época atraente para a inspiração literária recente), que com elegância e uma narrativa em várias camadas que se sobrepõem nos oferece um retrato extraordinário da época, abrangendo a cultura, a escrita, os costumes, as tecnologias contemporâneas, a vida dos miseráveis (retratos inesquecíveis da prostituição e da vida homossexual na Nova Iorque da época) e a ennui da burguesia financeira de final do século. Recomendável para espíritos livres e curiosos e amantes da boa literatura.