quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Fantasmas de acrílico #3


Acrílico em tela 40x50cm

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Teremos sempre as camélias

E pronto, é oficial. Os papás mudam-se de vez da Rua das Camélias. Foi lá que nasci, pois foi lá que cresci. Só saí aos 22 anos, e para dois ou três países ao lado, não fosse a nostalgia agarrar-me com a sua tenaz. Regressei aos 23, voltei a sair aos 26 e ainda lá pernoitei dois meses no ano passado. Era assim como uma espécie de cais a que se regressa, quando a tormenta nos faz vacilar. Se a cidade fosse um corpo de mulher, as Camélias seriam o seu ventre, um colo onde repousava a cabeça e afastava os meus demónios. Um apartamento banal, dos anos 70, à medida da nossa estatura. No novo apartamento, junto à praia, high tech e open space, os papás ficam mais pequenos, recortados pelas grandes janelas e pelo vazio das paredes. Já levaram móveis, louças, tarecos e roupas, mas não encontraram quem lhes levasse as recordações.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Filosofia do amor


Um dia, quando menos esperamos, um livro pode mudar a nossa vida. Foi com essa vaga esperança em mente que o trouxe, quando, à espera do início de uma sessão de cinema, me lancei numa das actividades preferidas do homem moderno: a flenêurie de livraria. Os "Ensaios de Amor", de Alain de Botton, escritor popularizado pela sua abordagem à filosofia da vida quotidiana, articulando elementos da linha dura da filosofia clássica com a trivialidade da vida dos mortais e num estilo acessível e semi-romanceado, não me salvaram nem transformaram a minha epistemologia sentimental. Mas reconheci-o de forma sorridente, cativado com a sua análise do relacionamento amoroso e com a inevitável conclusão das suas leis insondáveis. Pelo meio, arrisca definições interessantes, como a do amante marxista, aquele que nunca pertenceria a um clube que o aceitasse como membro, ou a do positivista amoroso, que acredita na cura e aprendizagem da paixão e da sua ausência. A competência para amar, como na música dos Clã, é ou não a capacidade de mergulhar no nosso eu mais profundo, sem nos esquecermos de cumprimentar o patrão ou de pagar as contas da luz e do seguro automóvel no final do mês?

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Estudo para nú: desejo #1

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Um livro, um filho, uma árvore


Foto de Paulo Domingues.
Ontem, desafiando todos os elementos - os naturais, dada a chuva e o vento e a crueldade de encostas inóspitas, feita de pedras, vegetação agreste e terrenos instáveis; e os humanos, visto sermos só quatro e um deles, eu, estar praticamente com uma directa no lombo - participei numa actividade da Quercus. A pequena mas inquebrável equipa, qual trupe de formigas a transportar por dez metros uma côdea inteira de pão, atirou-se à gloriosa mas pouco mais que simbólica tarefa de plantação de 130 medronheiros e de semear um número considerável de bolotas de carvalho na região conhecida como Cabeço Santo, perto de Águeda, um conjunto de encostas de posse privada devotadas à produção de eucaliptos. Com isto, reflectimos, já nos podemos dispensar da escrita de um livro ou da tarefa da reprodução. Até podíamos, se assim se estabelecesse, dispensar a plantação de algumas das árvores a quem tivesse tal acção em falta no seu currículo. Ou trocá-la por outra acção. A iniciativa continua, para quem quiser dar um belo e nobre afago à sua consciência, nos próximos séculos. É avançar, voluntários.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Adeus, magnólias

No dia em que me decido a entrar na loja ao lado do meu prédio, dou de caras com uma cara familiar. Desde os meus 17 anos, quando deixei de a ver, tenho-a entrevisto numerosas vezes em autocarros, cinemas, jardins ou nas ruas, sem nunca ter a certeza daquele corpo lhe corresponder. A minha primeira namorada, é assim que se diz e é estranho agora, com tanto tempo e mudanças pelo meio. A minha primeira namorada, dizia, trabalha na porta ao lado. Reconheceu-me logo e abraçou-se a mim com força suficiente para me sentir embaraçado. Perguntou por mim, que é feito, e repliquei gentilmente as perguntas, intrigado com a densidade da imagem à minha frente. Decidiu mostrar-me a fotografia da filha, de 3 anos. Tão linda, mimei-a. E pousei o produto na mesa, para que pudesse apreçar. "São nove euros e 15 cêntimos, se faz favor", disse num tom mecanizado, como se tivesse de repente entrado o patrão. Paguei e despedimo-nos com sorrisos. A minha primeira amante vendeu-me o meu primeiro creme anti-fadiga para o contorno dos olhos. Ponderei no sentido de ironia da matemática probabilística.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

L'homme sans ombre , de Georges Schwizgebel

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Prognosticar por aí


Por circunstâncias insólitas, ontem acabei a noite com uma leitura da palma da mão. É só ver, avisou-me o interlocutor, que o futuro está lá, naqueles sulcos, saliências e cruzamentos: a linha do amor é a proeminente, e circula em duas dimensões paralelas (!); não vou fazer muitas viagens, tenho que me conformar, e parece que estou fadado para a paternidade; a linha da vida, hélas, não é das mais promissoras, mas estranhamente é ultrapassada em longevidade... pela linha do trabalho (talvez a mais previsível das previsões, tendo em conta a tendência da legislação laboral). Devolvida a mão, regressei a casa. Tinha de me preparar para o meu destino.

O lugar do crime


De segunda a sexta, dois terços de uma vida a atravessar a mesma porta. E de cada vez a mesma pergunta: "Então e para mim, não há mais oportunidades?"

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Fantasmas de acrílico #2


Acrílico em tela 40x50cm

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Don't fall - The Chameleons

Observador, absorvedor

O observador absorve a dor.
A absorção absolve a observação.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

E o Porto aqui tão perto


Under Construction. Hans Hof Ensemble e Ensemble SOIL (Holanda).
Cinco personagens em palco, todos bailarinos-actores-músicos. Uma casa-cenário sempre em (re)construção, que é uma metáfora simples. Eu estive lá, em Espinho, e por cinco euros ri, meditei e... sim, chorei porque sim.

domingo, 10 de fevereiro de 2008


Sem peso aparente, as personagens de Peças em Fuga parecem corpos a tentar suster as ondas de choque de um embate que ocorreu algures no passado. São indivíduos a braços com a História (a de um passado recente, como sequela da II Guerra Mundial, mas também a da arqueologia e da geologia), com o legado de candura e malvadez que nos faz humanos, mas também a estrebuchar com as forças telúricas. E é uma prosa poética que sustenta a tempestade e o amor que a combate, num livro que se herda e se transmite de novo, como um património universal.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Fantasmas de acrílico #1


Acrílico em tela 50x40cm

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

This time it´s personal...

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Nas mãos da justiça


No palácio de Mateus, em Vila Real, uma estátua que representa a justiça perdeu as mãos. A guia, filha de holandeses residente no Alentejo (hibridismo que explicava o exotismo de feições e sotaque), sublinha a ironia. No passado, cortar as mãos fora uma tarefa que a entidade desempenhara de forma implacável.

O belo redundante


Há qualquer coisa que simultaneamente me atrai e me deixa desconfiado relativamente a esta geração de realizadores que inclui "wonder kids" como Wes Anderson, Spike Jonze ou Sofia Coppola. Tomo como exemplo "Darjeeling Limited", a sucessor de "A vida aquática de Steve Zazou" ou "Os Tannembaums", todos realizados por Wes Anderson. A premissa é a mesma dos anteriores: família em desagregação, unidades em órbita à procura de um reequilíbrio e redenção afectiva. Apanhamos 3 irmãos em périplo espiritual pela Índia (ou por uma Índia da cabeça de Wes), à procura da mãe, refugiada há anos num templo isolado, um ano após a morte do pai. Não nego que algo me atrai no despreendimento e aparente leveza de tom, assim como no embrulho visual, mais uma vez cuidadosamente eficaz. Mas há momentos em que realmente acredito que a leveza se torna leviandade, e o filme roça perigosamente o chauvinismo e a inconsequência. Exemplo: no reencontro com a mãe, esta propõe um diálogo não verbal. Nada mais adequado a um filme onde as palavras se aproximam do redundante. E rejubilei: o olhar sábio e ambíguo de Angelica Huston com os 3 rapazes facilmente se poderia transformar num update das célebres sequências dos western spaghetti de Sergio Leone, agora à disposição de um contexto quase bergmaniano. Mas não, temos um grande plano, a câmara que roda (movimento recorrente em todo o filme, nem sempre com eficácia), e zap, passamos à sequência seguinte. Noutra cena, assistimos aos irmãos reunidos, em pose meditativa. Ouve-se em fundo a "Pavane pour une infante défunte", de Ravel. Algumas cenas depois, uma criança morre após uma tentativa falhada de socorro por um dos protagonistas. E perguntei-me: foi propositado? Ou apenas mais uma inócua seleção estética? O decorativo está assim tão próximo do trágico?