segunda-feira, 9 de junho de 2008

O homem do ultra-fundo

O homem sentou-se, meio afogueado e com ar apressado. Afastou os cabelos em caracol lançando-os para trás da testa e fez perguntas telegráficas sobre o que fazia ali, não parecendo muito interessado nas respostas. Que sim, tinha interesses fora do local de trabalho (estava a entrevistá-lo no grande salão de reuniões dos chefes, e nem isso o inibia), a verdadeira vocação dele era ocupar-se de lesões de futebolistas. O que lhe interessava mesmo era um cursito de inglês, para poder entabular um diálogo com alguns dos atletas ou para quando receber na cave onde passa oito horas bem contadinhas por dia um novo chefe para o ouvir falar dos cuidados que presta a milhares de garrafas de vinho em estágio. No passado? Fui atleta de fundo e ultra-fundo. Nunca ouviu falar? Corria os 100 quilómetros. Olhei-o incrédulo. Assegurou-me um 68º lugar numa competição em França e um 8º em Espanha em tempos idos, que até o encontrava se pesquisasse assim e assim na Internet. Assegurou-me que os meus 10 km, duas vezes por semana, já não eram nada maus. E sai dali com aquela distância na cabeça. Imaginei a solidão de um homem na batalha contra as suas dores e pensamentos, tentando esconder dos outros que vive numa realidade paralela, preenchida pelo sonho permanente de uma meta que está sempre na curva seguinte.