sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A vida como ela é

Ouves o som intermitente que te desperta. À terceira vez, meia hora depois, decides-te a erguer o corpo, como uma mola. Abres a persiana e espreitas o que o dia te vai trazer: trabalho, pessoas que despejam na secretária histórias que trazem às costas, almoços mal digeridos, equipar e desequipar para montar e desmontar a mota, telefonemas e mensagens, fatias de livros lidos na maca, durante a electro-estimulação. Vais adiar encontros e pensar em alguém que não vês há muito tempo, vais adiar o mestrado. Talvez meia hora de voluntariado, talvez meia hora de Internet, beijos, o amor e às vezes um cigarrito, não necessariamente por esta ordem. Aguardas o fim do dia. Quando o dia acaba aguardas o fim da semana. Depois aguardas o fim do mês, as férias, o fim das férias, o Natal e o fim da década. Nunca, mas nunca, aguardas o fim do mundo, porque é nele que vives a ilusão e a desilusão, mas às vezes pensas que é um mundo delicado e não percebes como ele se aguenta suspenso no espaço. E desligas o despertador uma última vez, porque já não sabes em que gaveta arrumaste a coragem.