quinta-feira, 17 de abril de 2008

A noite do fim


Sarah Kane
Habitar uma casa que sabemos ter sido ocupada por vários inquilinos é um bocado viver entre as pistas que eles foram deixando, como se um pouco da nossa alma ficasse colada aos lugares onde vivemos. Uma das manifestações mais evidentes dessa fantasmagoria é a correspondência. Aproveito a generosidade involuntária de um convite remetido para um dos destinatários desconhecidos e invisto-me dessa autoridade para ir a um serão de teatro. "4:48 Psicose": a peça é de Sarah Kane, de quem só sabia ser jovem dramaturga e de morte precoce, auto-provocada. Sabia também que o texto seria o seu último, antes do suicídio, e preparei-me para barra pesada. É verdade que é um texto negro como a noite mais profunda, mas a encenação de Luís Mestre e sobretudo a interpretação de Maria do Céu Ribeiro aguentam tudo e tornam vibrante a inevitável ressonância de ser um texto de despedida, com todo o desespero mas sem compaixão. E reconcilio-me com a arte do teatro, numa noite chuvosa na Invicta. Sabiam que As boas raparigas vão para o céu e as más para todo o lado?